HOMEM PÁSSARO

por ZéManel Dom Jan 25, 2009 9:26 pm

Pretensioso que sempre foi o homem. Há séculos a olhar o céu, a cobiçar as aves.
Teimoso que sempre foi o homem. A matar-se e a estropiar-se por uma solução, por uma utopia, por um sonho de liberdade a três dimensões.
Mas um dia, um dia aconteceu. O homem voou...

A prática do voo livre remonta a meados do século passado. Embora esta frase pareça uma eternidade, foi há muito pouco tempo. Porventura todos os que me lêem, eram vivos nessa altura.
O voo livre, é assim designado, porque se faz sem o auxilio de motores. O “Libériste” como lhe chamam os Franceses, é um homem pássaro... Tem os sonhos dum pássaro e o porte dum homem.

O voo livre, engloba três disciplinas, parapente, asa delta e planador, por esta ordem, do número de praticantes e custos associados. O parapente é a disciplina mais versátil e económica. A asa delta vem a seguir, com custos mais elevado e maior contingência da sua prática devido ao volume e peso do equipamento. O planador é a mais onerosa disciplina do voo livre. Além disso, voa sem motor mas necessita de auxilio motorizado para ser posto a voar, geralmente a reboque dum avião. Uma rápida pesquisa na net, vos mostra o aspecto e evolução destas disciplinas.

Eu, pela minha parte, sou praticante de parapente, resumindo, sou um teso!

O parapente nasceu em França duma maneira curiosa. Nos anos 60, a NASA desenvolveu o primeiro perfil aerodinâmico flexível (não rígido) Os perfis aerodinâmicos (asas) existem desde que existem aviões, mas todos eles são rígidos. A NASA precisava de encontrar uma solução para o regresso das naves espaciais. Antes de optar pela “Navette” que é usada agora, e em vez dos para quedas que amortizavam a queda da cápsula habitável no mar, desenvolveram o perfil aerodinâmico sem estrutura rígida, mais conhecido por “Aerodinamic foil”, que se parecia então, mais ou menos aos actuais para quedas rectangulares. Se querem saber como funciona um perfil aerodinâmico, vão ao Visionarium a Santa Maria da Feira e tem lá um equipamento que demonstra a aplicação prática do teorema de Bernoulli, responsável por esse pequena milagre que é o voo.

A ideia ficou na gaveta, mas os alpinistas Franceses foram lá buscá-la porque, como todos sabem, os alpinistas só gostam de trepar. A descida é uma tortura. Então começaram a usar aquela máquina maluca para descer o monte. A voar. Um dia, um desses alpinistas depois de descolar (Em parapente descola-se, em para quedas salta-se. Ah! E outra coisa; Um parapentista aterra, e um pássaro poisa-se...ok.?), não conseguia descer, e em vez de se aproximar do solo, elevou-se ainda mais que o ponto de descolagem. E foi assim que se descobriu o parapente, como verdadeira disciplina de voo livre, que nos permite hoje em dia e depois de muitos aperfeiçoamentos nos equipamentos, voar horas e horas e percorrer distâncias de centenas (sim, centenas) de quilómetros sem motor.

Poupo-vos os pormenores técnicos, e depois desta fase técnico-histórica, passo à parte do romantismo poético do voo livre.

Voar não é um desporto, é um estado de espírito. É saber-se ínfimo e impotente perante os elementos. É tratar por você as aves, é comungar com a nuvem e dizer-lhe obrigado.
No cimo da serra, de lábios secos e salgados, espero o momento propicio para o início de mais uma aventura. Cheiro o ar, oiço as árvores e toco os fios do meu parapente. Momento sublime esse que antecede a descolagem.
Já sentado na cadeira de parapente, abano os pés a olhar para o solo e vejo-o distante e ansioso por me acolher. Deixo-me envolver pelos ventos para contrariar a força da gravidade. Que os ventos me sejam propícios peço eu, como os meus antepassados o clamavam aos deuses. O silvo do ar a atravessar a asa e os fios é o único ruído que me acompanha. Sinfonia harmoniosa que me entontece. Uma pequena elevação na asa indica-me que me aproximo da minha amiga ascendente. Ao de leve levanta-me, e sinto a tontura da subida, que me recusa o sangue ao cérebro durante um breve segundo. Às voltas dentro da coluna de ar, vou subindo e o altímetro acelera no contador. Sinto-me pássaro, sou pássaro, preguiçoso e sabido, que recusa bater as asas e que procura sem esforço atingir a altura necessária para continuar a voar, mais longe, mais alto, mais tempo.
Algumas horas depois, vejo o solo a aproximar-se lentamente. O colorido de algumas asas já aterradas dá-me a alegria do momento em que vou voltar a ser humano. Lá em cima, fui irmão da águia com quem conversei e partilhei o tempo.
Agora relaxado, corado pelo sol e inebriado pelo ar, converso com aos outros voadores e partilho os segredos da águia, num café sem paredes e sem tecto, onde todos olham o céu e sonham voltar novamente a voar.

A prática do parapente é simples e pouco exigente ao contrário do que se pode pensar. Se está interessado em saber mais, procure aconselhamento profissional. Informe-se na Federação Portuguesa de Voo Livre, www.fpvl.pt onde tem disponível as escolas e os formadores devidamente credenciados para a pratica segura e divertida desta actividade. Por pesquisa no Youtube www.youtube.com encontrará inúmeros filmes de parapente. No link seguinte pode ver dois pequenos filmes dum voo meu com passageiro e o ambiente que se vive numa tarde de actividades. www.youtube.com/watch?v=dqtraU1zxic

por **Jotace** Dom Jan 25, 2009 9:47 pm

Olá, Zé Manel.

Bebi sofregamente cada palavra da sua deliciosa descrição. Invejo-o, a si a todos os que que se conseguem desprender de tudo o que os amarra á terra e á vida, para entregarem assim o seu destino e sorte nas mãos dos ventos e de um emaranhado de fios e uns quantos metros quadrados de pano.
Eu, covarde de mim, sou incapaz de o fazer. Mas lamento que assim seja. Adorava ter esse espirito, essa coragem, esse desprendimento. Já sei que não tenho. Já sei que serei incapaz de o fazer por vontade própria. O meu elemento é a terra. Nem o ar, nem o mar. E tenho perfeita noção de tudo aquilo que deixo de experienciar, de viver, de sentir, por ser como sou. Mas... é o que eu sou. Estou convencido que se um dia me obrigassem a voar consigo, poderia ter um colapso cardiaco, borrar-me todo, ou na melhor das hipoteses, vomitar em pleno voo. E envergonho-me por isso. Mas... que me resta senão assumir a minha fraqueza? Parabens, Zé! Quem nasce sem asas e quer voar, merece tê-las, mesmo que não sejam suas.

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