-Não tenhas medo...

- Não deveria...?

- Não pai... acredita em mim uma vez na tua vida...
Os dois estavam sentados sob uma rocha a meio caminho da cima da montanha, com o mar como pano de fundo. Pai e filho, lado a lado, pela primeira vez...
De repente, vindo de um sitio desconhecido do coração do homem mais velho, o silêncio rompeu-se.
- O que é Deus? - Perguntou com inquietude.
- Deus é a causa primária de todas as coisas. Chama-lhe Deus, Criador, como quiseres...
- Como podes ter tanta certeza que ele existe?
- Exactamente da mesma maneira que sei que tu existes, apesar de não teres estado presente... Ele vive dentro de mim, vive dentro de ti. Não há efeito sem causa... basta com lançar os olhos à nossa volta... Tudo o que não é obra do Homem é obra de Deus.
- Hum...
- Não pareces convencido.
- Deus nunca veio falar comigo! Ver para crer meu filho, ver para crer! - Respondeu com segurança.
Havia uma brisa suave que passaeva lentamente pelos seus corpos .
- Quando se deu o Bing Bang, tu estavas lá para ver? - Perguntou o filho.
A resposta demorou, mas não existia nenhuma outra que pudesse dar.
- Não...
- Então as tuas palavras carecem de qualuqer sentido...
- Porquê?
- Ver para crer, mas não neste caso concreto!
Houve um silêncio quase sepulcral entre os dois. O pai quebrava o silêncio com uma pergunta ao mesmo tempo que contemplava o vaivém das ondas contra a areia.
- Tu já falaste com ele?
- Ainda não pai, ainda não... Um passo de cada vez, um passo de cada vez para não tropeçar.
- Mas não o queres ver?
- Meu pai, não preciso de O ver para saber que ele ilumina sempre os meus caminhos!
- E tu és capaz de ver essa luz?
- Sou capaz de ver o seu brilho intenso, de ver as suas cores, capaz de sentir o seu calor e ao mesmo capaz de pedir-Lhe que a partilhe contigo e com todos os que precisam...
- E que cor tem essa luz que podes ver?
- Não sei pai, não faço ideia...
- Mas acabas de me dizer que és capaz de ver essa luz e de sentir o seu calor...
- Tu estás aqui ao meu lado. Enquanto falamos o sol mergulha lentamente dentro do oceano... Queres maior prova da existência dessa luz?
Apenas se ouviam as ondas do mar invadindo a privacidade da areia quando de repente...
- Oiço o pranto da tua mãe... Vem do outro lado da montanha.
- Eu também a oiço...
- Posso ir falar com ela uma última vez?
- Ela ainda não está preparada... Tu também não! Terás todo o tempo do mundo para te desculpar...
- Mas... - fez uma breve pausa - eu já estou morto?
- O teu corpo sim...
Entre eles houve uma profunda troca de olhares.
- Vamos? - Perguntou o filho com a voz dotada de um carinho especial.
- Já é hora de partir...
- Sim pai, já é hora de partir!
- Nunca pensei que o mar beijasse a areia com tanto carinho. Afinal eu... eu... não sabia nada!
Pela primeira vez nas suas vidas, o pai entregava-se nos braços do seu filho, que abriu as suas asas e afirmou com carinho:
- Não feches os olhos...vale a pena contemplar!
- Agora já sei filho, agora já sei...


Texto da autoria de Hugo Girão